24/01/2011

O catador



Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais - o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar
pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter

Tratado geral das grandezas do ínfimo, Editora Record - 2001, pág. 43

10 comentários:

  1. "Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser."
    Um texto e uma frase perfeita para este dia.
    Um verdadeiro tratado filosófico.

    Beijinhos

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  2. De visita pela "mão de uma amiga" e gostei; vou voltar.

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  3. Nada como de quando em vez catar uns pregos....

    Beijinho, Há

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  4. Belo.
    Sintético
    A transbordar de sentido.
    Bjs

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  5. sou fã do Manoel de Barros.
    Quando leio a poesia dele, apetece partilhar com o mundo!

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  6. JPD
    acho que tudo o que Manoel de Barros escreveu é belo a transbordar de sensibilidade e simplicidade.

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