17/07/2011

A vida tal como ela é...

Morreu a minha amiga Leonor. Não foi hoje, foi há quase um ano, mas hoje lembrei-me dela.
Foi talvez a mais grandiosa das minhas amigas, não pelos grandes feitos, mas pela sua simplicidade e profundidade de sentimentos. O seu sentimento de amizade  para com os amigos era tão autêntico como o amor.
Amou de uma forma tão intensa, profunda e ingénua que me assustava. Acreditava no amor acima de tudo, dizia-me muitas vezes "vivo com o coração, não percebo outra linguagem".
Discutíamos muitas vezes sobre a sua fé no homem que amava. Confesso que nunca dei nada por ele, como se costuma dizer, mas ela amava-o profundamente e acreditava que ele voltaria. Desde cedo me apercebi que aquilo era mais uma desvario da parte dele do que outra coisa, mas ela terminava sempre com a fase "O amor vence sempre".
Perdia a paciência com ela, abanava-a, mas ali estava ela, sempre irredutível, pronta para esperar eternamente por aquele homem (dar-lhe ia outro nome, mas por memória à Leonor, fico-me por aqui).
Espantava-me como é que uma mulher inteligente acreditava em "almas gémeas " e coisas afins, mas acreditava e eu ficava ao lado dela.
Houve um período em que julguei que não se aguentava, foi quando se apercebeu que ele não só não vinha como a tinha ignorado e afastado da sua vida. Pensei que se ia partir nessa altura, mas sobreviveu.
Tenho raiva das terapeutas por onde passou, ambas lhe faziam acreditar que o amor vence e que não devia desistir, diziam-lhe o que ela queria ouvir... Houve momentos em que me parecia ser a única a ter os olhos bem abertos...
Fechou-se no  seu mundo e procurou cicatrizar as feridas do coração; fechou-se para um novo amor. 
Lembro-me de uma das nossas ultimas discussões "mas tu vives com fantasmas, é isso que queres para a tua vida?".
- Não são fantasmas e se não me envolvo com outra pessoa é que, de coração, não seria capaz de fazê-lo. É por mim, respondeu-me.
Olhei para ela atónita. Passou tanto tempo apaixonada por alguém que não a merecia... 
Não sei se esse homem chegou a saber não apenas o tamanho do amor que ela lhe tinha como a pureza e profundidade - se existe amor incondicional, este era um deles; desculpava-o sempre e, mesmo quando já me negava amá-lo sei que não era verdade, lá no fundo, o seu olhar brilhava ao ouvir o seu nome.
Quebrava mais um pouco por ele não ser capaz de lhe enviar um e-mail nos momentos de perdas e de alegria. Assim, de coração ferido, dizia-me: quem me dera ser como ele, tão coerente... e eu que não gostava dele, mas só para não a magoar mais reconhecia-lhe essa característica, mas lá no fundo pensava "ele está-se mas é borrifando para ti". 
Estava sempre disponível para os amigos, queria abraçar o mundo e ajudar os mais frágeis. 
Teria muito que contar sobre a Leonor e, quanto mais contasse, mais aspectos positivos teria que escrever, mostrando o quanto ela não era "deste mundo".
Partiu sem que a vida lhe realizasse o sonho de viver o seu amor.
Adorava ouvir o concerto de Aranguez, dizia que alguém que ouvisse essa música não poderia ficar com o coração igual"; gostava de papoilas, de mar e de luz.
Os seus sentimentos eram tão sinceros e profundos que por vezes me parecia uma criança. 
O amor não venceu, porque na vida, tal como ela é, nem sempre o amor vence!
AEDH DESEJA OS TECIDOS DOS CÉUS
Fossem meus os tecidos bordados dos céus,
Ornamentados com luz dourada e prateada,
Os azuis e negros e pálidos tecidos
Da noite, da luz e da meia-luz,
Os estenderia sob os teus pés.
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.
Eu estendi meus sonhos sob os teus pés
Caminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos.William Butler Yeats


8 comentários:

Rosa dos Ventos disse...

Fiquei comovida!
Deveria ser uma mulher muito sensível
mas excessivamente crédula...dizem que o amor explica tudo.
Que descanse em paz!

Abraço

Gosto muito deste Concerto...

Eva Gonçalves disse...

Adorei este texto. Sei o que é perder uma grande amiga. E sei também o que é sentir o que a tua amiga sentia´, que o coração não ia conseguir amar outra pessoa. Não sei que terapeutas de meia tigela ela consultou... mas num processo de luto de uma relação, há sempre, como em qualquer luto, fazes a passar... isso, não quer dizer que se deixe de amar... e eu que o diga... porque acredito sinceramente, que há um ponto de nãoretorno no amor, um momento a partir do qual, não conseguimos deixar de amar...por muito que até queiramos.. Um beijinho

trepadeira disse...

Toca fundo.

O Joaquim Rodrigo encanta.

Um abraço,
mário

Rafeiro Perfumado disse...

Linda homenagem... mas é triste ver alguém com tanto amor para dar preferir desperdiçar a vida perseguindo algo que, nitidamente, não é merecedor. Um beijo para ti.

Há.dias.assim disse...

Rosa-dos-ventos,
Era única, sem dúvida. Mas é preciso encarar a realidade e sairmos da utopia, sob risco de o coração não aguentar.

Há.dias.assim disse...

Eva,
o luto é necessário e cada pessoa tem o seu ritmo, mas Leonor acreditava neste homem acima de tudo.

Há.dias.assim disse...

Mário,
são histórias de vida.
Joaquim Rodrigo é espectacular, sem dúvida.

Há.dias.assim disse...

Pois é Rafeiro,
mas no que toca a afectos a vida é tão confusa...