02/01/2011

Ah! a poesia...

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de Dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Actualmente mora em Campo Grande (MS). É advogado, fazendeiro e poeta.
Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares,  cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno." Continua aqui

Aprendo com abelhas 

Aprendo mais com abelhas do que com aeroplanos.
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
É um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata - cresce de importância para o meu
olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar
para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades
machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão -
Antes que das coisas celestiais.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem:
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.
_____________
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
-Gostar de fazer defeitos na frase e muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas. . .
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios , não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.
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Passarinho
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus
seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor
o azul
E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
e tinha ciúmes da brancura que os lírios o deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com muitas borboletas.
Soberania
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento
— mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar.
Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada.
Meus irmãos deram gaitadas me gozando.
O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim.
E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente.
Aprendi a teoria das idéias e da razão pura.
Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos.
Aos homens de grande saber.
Achei que os eruditos nas suas altas abstracções se esqueciam das coisas simples da terra.
Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein).
Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira.
Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo.
Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho.
E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas.
Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo.
(Essa engenharia de Deus!)
E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas.
E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.

11 comentários:

Luna disse...

muito bonito estes poemas, ou testos que retratam a vida a verdadeira procura interior feitos de pequenos nadas
beijinhos

Fê blue bird disse...

"Passarinho" ouvi por aqui e vim logo a correr ;-) Adoro sempre os seus textos, cheios de significado.
Bom Ano!

beijinhos

Unknown disse...

Uma belíssima antologia.
Parabéns.
Bjs

Lilá(s) disse...

Parece-me uma boa maneira de começar o ano...com poesia
Beijinhos

MagyMay disse...

Ai como eu gosto do "desimportante"....

Um beijo e Bom Ano!

Há.dias.assim disse...

Teresa,
obrigada! feliz 2011 para ti, também.

Há.dias.assim disse...

Multiolhares,
descobri por acaso o poeta e adorei!

Há.dias.assim disse...

Olá Fê
tudo bem?
Obrigada pelas palavras, mas a poesia é de Manoel de Barros.
Bjocas

Há.dias.assim disse...

JPD,
Foi uma excelente descoberta, esta a de Manoel de Barros.
Apetece ler todos, assim de repente. E partilhar!

Há.dias.assim disse...

Olá Lila,
Pois é, começar o ano com poesia é bom e continuar também.
:)
Bjocas

Há.dias.assim disse...

MagMay
eu também... as palavras mesmo que não existam são carregadas de profundidade.